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A avaliação nutricional infantil no software EPI INFO* (versão
6.0), considerando-se a abordagem coletiva e a individual, o grau e o tipo da desnutrição ![]() |
Eugênio M. A. Goulart |
J Pediatr (Rio J) 1997;73(4):225-30
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RESUMO
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Objetivo: É proposta uma sistematização para a avaliação antropométrica em crianças utilizando-se o software Epi Info, versão 6.0, considerando-se a abordagem coletiva e a individual, o grau e o tipo de desnutrição. Métodos: O software Epi Info, patrocinado pela Organização Mundial da Saúde, permite uma avaliação nutricional infantil a partir de três índices antropométricos: peso/idade, altura/idade e peso/altura. Para a quantificação da medida observada em cada indivíduo é usado preferencialmente o escore Z, já que discrimina melhor os casos extremos. É empregada como referência a curva norte-americana do NCHS. Vários pontos de cortes entre a eutrofia e a desnutrição podem ser utilizados, porém, o escore Z em -2 é o mais utilizado. São três as possibilidades diagnósticas: stunting, para o déficit de altura/idade; wasting, para o déficit peso/altura; "underweight", para o déficit peso/idade. Paralelamente, em uma abordagem coletiva, pode ser calculada no Epi Info a proporção de indivíduos que, em um grupo populacional, têm suas medidas antropométricas desviadas da curva de referência e que constituem a porcentagem de anormalidade observada (chamada de prevalência padronizada). Resultados: O presente artigo, que faz a análise de um banco de dados como exemplo, propõe uma forma de organização dos dados fornecidos pelo Epi Info, com as características apresentadas abaixo. Para aumentar a sensibilidade do diagnóstico, a abordagem coletiva é valorizada. No que concerne ao tipo de desnutrição, os termos de língua inglesa stunting é substituído por desnutrição crônica, wasting por desnutrição aguda e underweight por déficit ponderal isolado. No que concerne ao grau de desnutrição, são utilizados os escores Z -2 e -3 para, respectivamente, definir um limiar entre os quadros moderados e graves. Conclusões: A abordagem proposta procura identificar todas as formas da desnutrição infantil, das mais leves às mais graves, considera tanto déficits ponderais como estaturais e considera se se trata de um processo agudo ou crônico, mostrando-se, portanto, como um instrumento sistematizador das várias informações acessíveis com o uso do computador. |
1 - Os critérios antropométricos recomendados para a avaliação nutricional infantil A antropometria é, em termos práticos, suficiente para a avaliação do estado nutricional infantil em inquéritos epidemiológicos e em abordagens individuais( , ). Pela aferição do peso e da altura da criança pode-se calcular os três índices antropométricos mais freqüentemente utilizados: peso/idade, altura/idade e peso/altura. Um déficit no índice altura/idade indica que a criança tem um crescimento comprometido em um processo de longa duração, e é utilizado o termo inglês "stunting" (que poderia ser traduzido como "nanismo") para diagnosticar essa situação( , ). Um déficit no índice peso/altura, ou seja, um peso proporcionalmente abaixo do esperado para a altura encontrada na criança, indica um comprometimento recente do crescimento que interferiu no ganho de peso, mas ainda não acometeu a estatura. Foi criado o termo "wasting" ("emaciamento", como tradução aproximada) para caracterizar essa situação( , ). O índice peso/idade fornece menos informação: seu déficit pode significar tanto um fenômeno recente como antigo. Foi criado o termo "underweight" ("baixo peso") para diagnosticar esses casos( , ).Para a comparação de um conjunto de medidas antropométricas com um padrão de referência podem ser empregadas várias escalas( , ), e as de uso mais comum são o percentil e o escore Z (desvio padrão escore). O uso preferencial do escore Z deve-se ao fato de que discrimina melhor os casos extremos. O escore Z, que em termos práticos varia de -6 a +6, significa quantos desvios padrão o dado obtido está afastado de sua mediana de referência.O valor exato do escore Z (e do percentil) de cada indivíduo pode ser obtido através do software Epi Info( ). Esse programa utiliza-se do padrão de referência do NCHS8, que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde4, para a idade de 0 a 10 anos. Esse padrão de referência foi obtido através do estudo de populações eutróficas norte-americanas. Não existe mais dúvida de que curvas de crescimento construídas a partir de crianças de países desenvolvidos podem ser usadas para comparar o crescimento de crianças de países pobres( ). De fato, está amplamente demonstrado que o potencial genético tem influência menor que os fatores ambientais na determinação do déficit de crescimento das crianças do Terceiro Mundo.Outra questão a ser considerada é o limiar entre a desnutrição e a eutrofia. Considerando que as variáveis estudadas geralmente seguem uma distribuição próxima a uma curva de Gauss, quando o limiar se aproximar do ponto central da curva teórica esperada para normais, o critério escolhido privilegiará mais a sensibilidade do que a especificidade (Figura 1-a). Quando, ao contrário, o limiar se afastar, a especificidade do critério será superior à sensibilidade (Figura 1-b). Entre os critérios de avaliação nutricional antropométrica existem aqueles que apresentam maior sensibilidade (captam os casos mais leves) e, conseqüentemente, especificidade baixa (diagnosticam muitos casos falsos positivos): Figura 1 - Variação da sensibilidade e da especificidade em função da escolha do limiaré o caso do percentil 10 (escore Z de -1.28) como limiar entre a eutrofia e a desnutrição( , ). Por outro lado, existem aqueles com sensibilidade baixa, porém, com boa especificidade, empregados quando se deseja identificar apenas os casos mais acometidos: é o caso do limiar no escore Z em -2, que corresponde ao percentil 2.3, e que é o limiar mais freqüentemente utilizado( , , ).2 - A opção de se evitar um limiar fixo entre a desnutrição e a eutrofia: a prevalência padronizada Em determinadas circunstâncias clínicas, a distinção entre o normal e o anormal não apresenta dificuldades. Se se deseja calcular a prevalência de anomalias bem definidas, basta comparar a população acometida com a população não acometida. Por exemplo, a prevalência de tuberculose, de esquistossomose, de câncer, etc. Nesses casos estamos lidando com enfermidades cuja aferição se comporta como uma variável rotulada de "discreta" pelos estatísticos. Por outro lado, o problema se complexifica para as enfermidades que se comportam como variáveis "contínuas" (também um conceito estatístico). É o caso da hipertensão arterial, das anemias e da desnutrição, dentre outras. Onde se dará exatamente a transição entre a normalidade e a doença? É impossível um referencial único para todos os indivíduos, já que existe um "continuum" de valores. Um limiar fixo sempre incorre no erro de identificar indivíduos sadios como patológicos e vice-versa. Considerando-se que os índices antropométricos peso/idade e altura/idade seguem uma distribuição que pode ser considerada como gaussiana, tem-se sempre duas curvas possíveis: uma da população em estudo e outra de uma população de eutróficos tomada como referencial( , ). As duas curvas estarão justapostas ou distanciadas conforme a menor ou maior quantidade de desnutridos na população estudada. Na Figura 2, a curva de freqüência observada para um determinado indicador nutricional antropométrico difere da curva teoricamente esperada em eutróficos em um montante que corresponde à área achurada do diagrama.Figura 2 - Quantificação do afastamento de duas curvas GaussianasPara quantificar essa área, pelo menos dois métodos semelhantes foram propostos( , , ). O software Epi Info, versão 6.0, programa Epinut( ), permite o cálculo da prevalência padronizada ("standardized prevalence"), seguindo o método proposto por Mora, em 1989: a partir da média do escore Z da população estudada e do desvio padrão do escore Z, também da população estudada, obtém-se a prevalência da anormalidade em estudo. O cálculo é feito para cada um dos índices antropométricos.Em síntese, essa análise possui a grande vantagem de levar em conta os raros casos normais que se situam nos extremos da variabilidade esperada (que no cálculo da prevalência são computados corretamente como normais) e inclui, também, acúmulos anormais situados próximos à média (ou seja, os casos mais leves são computados). Todavia, a análise não se arrisca a definir individualmente cada caso, pois tem-se apenas a cifra global de anormalidade. Assim sendo, a grande desvantagem desse critério é não dicotomizar a população estudada em desnutridos e eutróficos, o que torna impossível realizar algumas análises estatísticas, tais como modelos de predição. 3 - Principais críticas aos critérios usuais de avaliação nutricional infantil A abordagem mais abrangente teria de contemplar os seguintes aspectos do diagnóstico da desnutrição infantil: identificação de todas as formas, dos graus mais leves aos mais avançados, considerando tanto déficits ponderais como estaturais; avaliação da temporalidade do evento, ou seja, se se trata de um processo agudo ou crônico; e simultaneidade do diagnóstico quantitativo (graus) e qualitativo (tipos). Todavia, as análises usuais não dão resposta a todas essas questões. A maioria dos critérios se preocupam apenas com a especificidade, ou seja, se detém apenas nos casos mais graves. O grande problema é que os casos menos acometidos não são identificados e, de forma implícita ou, às vezes, explícita, são englobados juntamente com os eutróficos. Trata-se de um equívoco infelizmente freqüente, porém, a desnutrição deve ser sempre considerada como um evento necessariamente anormal, mesmo que seja comum. Pode-se imputar essa falha à análise que emprega rigidamente o limiar entre a eutrofia e a desnutrição em -2 escore Z. O emprego da prevalência padronizada minimiza o problema, já que por considerar as formas mais leves de desnutrição, esse método apresenta boa sensibilidade. Por outro lado, a identificação dos vários graus de desnutrição é útil e geralmente não utilizada. Onde se situaria o limiar entre os casos moderados e graves? Por se tratar de um marco arbitrário, essa análise, que traria informações importantes, é simplesmente desconsiderada na maioria dos trabalhos. Por último, no que diz respeito à temporalidade do fenômeno, a terminologia em uso (stunting e wasting), de origem inglesa, tem tradução difícil para outras línguas e gera grande confusão e limitação ao seu uso. Não são recomendadas as palavras aguda e crônica( , , ), principalmente em função do termo crônica, que genericamente englobaria duas situações diferentes, sendo de utilidade uma distinção: crônica em evolução (altura/idade e peso/altura comprometidos) e crônica como resíduo do passado, ou desnutrição pregressa (altura/idade comprometida, peso/altura proporcional). Todavia, é polêmica a interpretação do estado nutricional neste último caso( ). Sem dúvida, alguns indivíduos com essas características antropométricas são encontradas ocasionalmente em populações bem-nutridas. Entretanto, nas populações carentes é grande a porcentagem de indivíduos nesta categoria, em uma quantidade que ultrapassa amplamente aquela normalmente esperada. Portanto, pela elevada prevalência apenas quando o ambiente é adverso, não se poderia falar em processo natural, fisiológico. Englobá-los junto aos eutróficos é um erro, já que são de fato desnutridos. Talvez estejam em um processo adaptativo, porém, certamente serão beneficiados com um aporte adequado de alimentos. Eles poderiam ser considerados como prioridade secundária apenas no caso de escassez de recursos.A controvérsia da terminologia vai mais além: existem ainda as categorias diagnósticas marasmo e kwashiorkor, que correspondem, respectivamente, aos casos mais acometidos de stunting e wasting. 4 - Uma proposta para a classificação antropométrica da desnutrição infantil em graus e tipos Como uma tentativa de organizar as informações disponíveis em uma avaliação nutricional, é proposta uma abordagem que detalha dados coletivos e individuais e classifica a desnutrição infantil em graus e tipos (Tabela 1). Tabela 1 - Não se propõem modificações quanto ao diagnóstico nutricional, apenas empregam-se os termos desnutrição crônica, aguda e déficit ponderal isolado. De fato, a proposta deste artigo diverge de recomendações anteriores e propõe os termos crônico e agudo, conforme argumentação apresentada no item anterior, que, como pode ser visto no exemplo do Anexo 1, não acarreta incorreções importantes. A análise de cada indivíduo não revela falhas importantes ao se usar essa terminologia. Os casos agudos são aqueles que apresentam peso desproporcional em relação à altura, os desnutridos crônicos são os que apresentam déficit estatural e os desnutridos ponderais, os que apresentam déficit de peso para a idade. Assim, os déficits ponderais com proporcionalidade peso/altura são considerados como uma categoria diagnóstica da desnutrição. Para que o diagnóstico dos casos leves não seja omitido, é empregada a prevalência padronizada, resultando na cifra global de desnutrição, uma para cada índice antropométrico. Quanto à intensidade do fenômeno, é proposta uma subclassificação da desnutrição infantil em graus moderado e grave: os casos moderados são aqueles com déficits antropométricos evidentes, mas sem abundância de sinais clínicos. Assim, a desnutrição moderada teria como fronteiras -2 (percentil 2,3) e -3 (percentil 0,1) escore Z. Outros autores17 já empregaram o limiar de -3 escore Z no intuito de identificar os casos mais severos. Apesar de raros casos normais poderem ser encontrados na faixa -2 a -3 escore Z (cerca de 2%), eles não serão considerados, já que determinam um erro muito pequeno na análise. Os casos graves apresentam geralmente sinais clínicos de desnutrição e estão situados abaixo do escore Z -3. Nessa faixa de escore Z não se encontram indivíduos eutróficos. O limite no escore Z -3 é, sem dúvida, arbitrário; porém, é empregado usualmente em estatísticas de controle de qualidade como um limiar além do qual não ocorrem variações explicáveis pelo acaso( ).No Anexo 2 estão listados os passos para avaliação nutricional de grupos de indivíduos no Epi Info, versão 6.0, considerando-se todos os itens de análise propostos neste artigo. Tabela 2 - Anexo 2 - Passos para a avaliação nutricional antropométrica de grupos de indivíduos no EPI INFO (versão 6.0) 1) Montagem do banco de dados (exemplo - dados1.rec): no menu principal do Epi Info, "Eped" para a construção do questionário, "Check" para definir os critérios de validade para os dados e "Enter" para a entrada dos dados. - além das variáveis específicas de interesse em estudo, no banco de dados devem constar as seis variáveis da avaliação nutricional: identificação, sexo, data de nascimento, data da visita, peso (em quilos, com até 2 decimais) e altura (em centímetros, com até 2 decimais). 2) Cálculo da idade em meses: - Analysis, menu principal do Epi Info; 3) Criação do arquivo específico de avaliação nutricional (exemplo - avnutri1.rec): - comando route avnutri1.rec para criar o arquivo; 4) Avaliação nutricional no "Epinut" (menu principal do Epi Info): - item indices; 5) Leitura do arquivo de avaliação nutricional (avnutri1.rec): - "Analysis" no menu principal do Epi Info; Tabela 3 - 6) Juntar temporariamente para análises estatísticas o arquivo de avaliação nutricional (avnutri1.rec) com o arquivo geral (dados1.rec): - Analysis no menu principal do Epi Info; 7) Salvar arquivo final completo (exemplo - dados2.rec): - comando route dados2.rec para criar o novo arquivo; 8) Cálculo da prevalência padronizada (abordagem coletiva da desnutrição): - "Analysis" no menu principal do Epi Info, para calcular a
média do escore Z e o desvio padrão do escore Z de cada
índice antropométrico: - Epinut no menu principal do Epi Info: |
Eugênio M. A. Goulart - Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. |
* O software Epi Info é de domínio público e pode ser copiado livremente. Disquetes originais podem ser adquiridos pelo correio, no seguinte endereço: USD Incorporated, 2075-A, West Park Place, Stone Mountain, Georgia, 30087, USA. |
Endereço para correspondência: Dr. Eugênio M. A. Goulart Depto. de Pediatria - Faculdade de Medicina - UFMG Av. Alfredo Balena, 190 CEP 30130-100 - Belo Horizonte - MG Fax: (031) 273.4985 |
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